3º SEMINÁRIO
I – História Breve da Elaboração do Conceito de Procedimento
A questão
do conceito de procedimento administrativo foi objecto de longa elaboração doutrinal, nomeadamente na Áustria, em França e
na Itália. Com efeito:
1) – Na Áustria
Neste país,
o labor do Supremo Tribunal Administrativo levou à codificação de uma conjunto de normas a que devia obedecer o procedimento
administrativo, tendo a Escola de Viena lançado as bases gerais de uma teria geral do procedimento administrativo. Este é
classificado pela doutrina como um acto complexo próprio da função administrativa
, tal como acontece com idênticos actos da função legislativa – procedimento legislativo – e com actos jurisdicionais
– processos judiciais. O procedimento (administrativo) aparece assim como um processo próprio da Administração.
2) – Em França
Não são os
Tribunais, mas sim a doutrina que vai preocupar-se com esta questão. Na verdade, cabe a Hauriou falar de « procédure des opérations administratives » ou de « procédure
de l’actions administratives », para se referir a um acto complexo
substancialmente unitário. Pretendia a doutrina francesa significar com isso, que o procedi-mento é um processo de conteúdo
heterogéneo, que via um efeito jurídico único. Para além desse contributo de Hauriou a doutrina não se preocupou muito mais
com esta questão, embora se aceite a necessidade da existência de um conjunto de regras e princípios integradores de um procedimento
justo e tenha sido elaborado o conceito de vice de procédure - que ocorre quando há uma ofensa directa à lei que consagra a tramitação específica e impõe a sua
observância em todas as fases ou momentos.
3) – Itália
Aqui, o esforço
doutrinal foi mais sério e persistente. De facto, desde o início do século passado a questão do procedimento tem preocupado
a doutrina italiana, que começou por não aceitar a ideia de procedimento como acto complexo, para se ancorar na ideia de acto--procedimento.
a) – Nesta perspectiva, que é a de UGO FORTI, o procedimento
desde logo só pode ter um único sujeito, exactamente porque é um acto jurídico
emanado por um único sujeito, pelo que a plurisubjectividade não se adequa ao procedimento. Trata-se de um acto que integra
uma série ordenada de comportamentos sequenciais e legalmente necessárias.
A doutrina
italiana começa assim por definir procedimento como um acto jurídico emanado por um único sujeito de direito.
b) –
Mais tarde, SANDULLI abandonando a concepção material de Forti, adopta um critério
formal para definir o procedimento. Agora, para Sandulli o procedimento é uma forma que não comporta séries de actos heterogéneos,
mas sim uma sucessão de momentos. Agora, já não se torna necessário discutir se
o procedimento é ou não acto composto ou acto complexo, questão que preocupava a doutrina italiana no início do século, na
medida em que, como diz Gonçalves Loureiro, “os actos teleologicamente terminais podiam ser actos simples ou actos compostos”.
Para além
disso, Sandulli advoga que na dinâmica procedimental pode haver três fases, a saber:
a preparatória, a constitutiva e a integrativa da eficácia.
c) –
BENVENUTI, por seu lado, partindo da célebre fórmula “procedimento é a forma de uma função”, defende que sendo a função (poder-dever
dos órgãos da Administração ou agregação de tarefas administrativas, sempre legalmente vinculadas) a concretização do poder
em acto, o procedimento é a forma na qual a função se vai manifestando através da
sucessão de actos que convergem para a produção de um acto final.
d) – CONSO, por sua vez, defende que o procedimento é uma série de actos e factos obrigatirimente sequenciais e pré-ordenados a um efeito final. Trata-se
aqui de defender que o procedimento é uma fattisspecie
de formação sucessiva. Retoma-se assim uma tese que Sandulli não aceitava por entender que o procedimento nãos e confunde
nem é coincidente com a fattispecie, tanto mais que este é substancial e aquele
é formal.
De acordo com a tese de Conso, nas diversas fases do procedimento há outras fattispecii mais restritas,
que produzem efeitos intercalares ou preliminares.
e) –
Por seu turno, GALEOTTI, aceitando que procedimento e acto são figuras distintas,
aceita que o procedimento é um fenómeno de formação sucessiva da fattispecie, sucessão de factos que aqui é juridicamente obrigatória. Nessa sucessão, toda a dinâmica procedimental
é produzida pelo primeiro acto, e iniciada essa dinâmica a administração tem a obrigação de agir para completar a fattispecie sob pena de omissão procedimental, e o particular tem o ónus de impulsionar o procedimento. O procedimento
está orientado teleologicamente para ao acto-total realizador de uma função de interesse público.
Estas diversas
visões doutrinais do procedimento, tiveram como efeito permitir a elaboração de um conceito capaz de retratar com precisão
esta figura.
2 – Conceito de Procedimento
A primeira
abordagem ao conceito de procedimento leva-nos necessariamente à ideia de uma sequência
de actos teleologicamente orientados para um produção de uma acto definitivo ou, como diria Bergonzini, o procedimento é um conjunto de actos com efeitos meramente procedimentais, com uma certa sequência que visa a produção
de um acto final, com efeitos constitutivos.
Deste conceito
salvaguarda-se a possibilidade de certos actos não finais poderem ser objecto de impugnação autónoma. Por outro lado, importa
esclarecer que certos procedimentos não têm potencialidade para conduzir a acto final. Com efeitos externos.
Posto isto,
importa finalmente dizer antes de avançarmos para o conceito de procedimento que hoje a doutrina começa a admitir a hipótese
da relação jurídica administrativa para caracterizar o procedimento, o que conduz
à ideia de que o procedimento não é só um conjunto de normas e de actos, mas também de posições jurídicas. Essa relação pode
iniciar-se antes do procedimento e ser o complexo de causas que desencadeiam o procedimento, como podem ser coetâneas com
o início deste e constituir o seu real substracto.
Podemos agora
definir o procedimento administrativo como “um
conjunto de actos funcionalmente ligados com vista a produzir um certo efeito resultado, um efeito único” ou
como faz o CPA no seu artigo 1º, como “a
sucessão ordenada de actos e formalidades tendente à formação e manifestação da vontade da Administração Pública ou à sua
execução”. Faz-se notar, em primeiro lugar, que esse conjunto não se manifesta como um acto complexo, mas sim
como uma pluralidade de actos que não se integram no acto final como elemento deste, mas antes têm autonomia – cada
acto é autónomo – são como momentos (juridicamente conformados) do especial iter
para o resultado final. Assim, o procedimento deve ser configurado mais como séries de actos ente si juridicamente articulados
e dotados de relativa autonomia funcional.
Nesta perspectiva,
torna-se possível agrupar em fases esses actos (ou essas séries de actos) que,
como dissemos, servem uma função no quadro geral do procedimento, fases que são as seguintes: preparatória, constitutiva e
integrativa da eficácia.
Embora certa
doutrina – a de Rogério Soares, por exemplo, - entenda que só excepcionalmente os procedimentos são necessários por
impostos por lei, e que por isso grande número serão procedimentos facultativos, hoje como se sabe, a regra é a do procedimento
obrigatório ou necessário, imposto por lei pela via do Código do Procedimento Administrativo e só nos casos legalmente estabelecidos
é que serão facultativos.
Última nota
para distinguir procedimento de processo, dizendo que este, enquanto forma especial
de procedimento, é uma sequência de actos muito formalizada e tipicizada regida
pela ideia da imparcialidade e da objectividade, enquanto procedimento administrativo, é uma sequência de actos com menor
grau de formalização e de tipicização, regida pela ideia de satisfação de interesse público e de prossecução desse interesse.
Nesta perspectiva
não se deve confundir processo judicial com processo administrativo que o CPA no nº 2 do seu artigo 1º define como “o conjunto de documentos em que se traduzem os actos e formalidades que integram o procedimento
administrativo”.
II – O Código de Procedimento Administrativo: Uma Visão Descritiva
a) – Notas Introdutórias
De acordo
com Freitas do Amaral, o Código de Procedimento Administrativo Regula os termos em que deve decorrer todos os processos não
contenciosos que se desenvolvem no âmbito da Administração Pública e estabelece os direitos e deveres dos cidadãos no tocante
à participação da tomada de decisões administrativas e na respectiva execução.
As inovações
que esse Código traz são essencialmente as seguintes:
- Imposição
do dever de informar os particulares;
- A audiência
prévia dos particulares
- Consagração
dos princípios da justiça, da imparcialidade, da celeridade, da economia e da eficácia;
- Abertura
de recurso contencioso não apenas conta actos definitivos e executórios, mas contra actos lesivos de direitos e interesses
legítimos, liberdades ou garantias constitucionalmente consagrados;
- Nova disciplina
das delegações de poderes e de subdelegações de poderes;
- Regulação
das garantias de imparcialidade da Administração Pública;
- Estabelecimento
de prazo máximo (de seis meses) para a conclusão de todo e qualquer processo administrativo.
- Gratuitidade
do processo administrativo.
- Admissibilidade
do recurso hierárquico necessário com efeito meramente devolutivo, se a não execução imediata do acto recorrido puder causar
graves inconvenientes para o interesse público.
b) – Estrutura Interna
c) – Fases do Procedimento Decisório
No Procedimento Administrativo Decisório a doutrina tem distinguido seis fases, a saber:
1ª Fase – Fase Inicial – artigo 54º - que inaugura o procedimento ou oficiosamente ou por vontade das
partes. O regime jurídico-procedimental desta fase está regulado nos artigos 74º a 85º.
Nesta fase
é possível a adopção pela Administração de medidas provisórias tendentes a assegurar a prossecução do interesse público e
evitar a lesão grave ou de difícil reparação desses interesses, sem ofensa dos direitos liberdades e garantias dos particulares,
desde que elas se mostrem necessárias para o efeito – cfr. Artigo 84º e 85º.
2ª Fase – Fase da Instrução – 86º e segs. –, na
qual se procede à recolha da prova e dos indispensáveis elementos necessários à decisão final.
Cria-se agora
a figura de órgão instrutor – artigo 86º –, que é o competente para a decisão, mas este pode delegar noutro órgão
ou pessoa a instrução do procedimento.
Nesta fase
a Administração pode ouvir o interessado se assim entender, audição que não prejudica a fase específica da audiência do interessado
regulada no artigo 100º.
3º Fase – Fase da Audiência do Interessado – artigo 100º e 101º – que é a grande inovação do
Código. Na verdade, com a consagração dessa fase o Código concretizou a ideia de uma administração participada que a Constituição
consagra. Com esta fase o procedimento administrativo passa a ser na opinião de Freitas do Amaral quadrifásica, pois às três fases iniciais – requerimento do particular, instrução pelos serviços, decisão
pelo órgão competente – acresce esta da audiência dos interessados.
Entende-se
hoje que esta audiência visa dar a conhecer ao interessado o projecto de decisão para que ele possa emitir a sua opinião,
participando assim na própria formação da decisão. Deste modo, a audiência do interessado não pode traduzir-se na simples
disponibilização do processo ao interessado para este o ler e comentar, mas tem de ir mais longe para lhe indicar o concreto
sentido da decisão.
Há situações
em que o instrutor pode dispensar tal audiência, sem violação das normas constitucionais. São verdadeiras excepções à regra
da audiência do interessadp.
a) –
A primeira excepção é no caso dos processos de massas, que pelo número de interessados seria impossível ouvi-los a todos um
por um. Vale aqui, diz-nos Freitas do Amaral, o princípio segundo o qual certas formalidades
são dispensáveis quando, por envolverem actos de massa, sejam impraticáveis.
b) –
A segunda excepção é a da dispensa da audiência prévia quando a Administração pretenda proferir decisão favorável ao interessado.
Contudo, se o órgão instrutor entendeu dispensar a audiência do interessado por entender que a decisão vai ser favorável,
e o órgão decisor entender que a decisão deve ser desfavorável, então terá este último órgão de mandar baixar o processo para
que se proceda à audiência, fornecendo ao interessado o projecto de decisão devidamente fundamentado.
4ª Fase – Preparação da Decisão – artigos 104º e segs – em que se incluem todas as diligências
complementares previstas no artigo 104º e o relatório final – artigo 105º – e a submissão do processo para decisão
– despacho final. Para este efeito, o órgão decisor terá de agendar a reunião do órgão colegial para o efeito.
5ª Fase – Fase da Decisão – artigos 106 e segs. – que é aquela em que se produz o acto administrativo
que decide a questão objecto do procedimento e cujo conceito, condição, termo, modo e forma vêm consagrados no artigo 120º
a 122º.
6ª Fase – Fase complementar – artigos 132º e segs.- em que são praticados actos posteriores à decisão
e em que se dão incidentes sobre a eficácia do acto praticado. Agora pode a decisão ser submetida a controlos internos –
recursos hierárquicos ou tutelares – ou externos – jurisdicionais.
Nesta fase,
a notificação e a publicação são os
actos mais importantes dado que é através dela que se leva ao conhecimento dos interessados a decisão final. Contudo, a lei
permite que o interessado pode reagir ao acto a partir do momento em que começa a ser executado, independentemente da notificação
ou da publicação.
Tem sido levantada
questão sobre a constitucionalidade da substituição da notificação pela publicação ou pelo conhecimento a partir da execução
do acto.
BIBLIOGRAFIA
-
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e Matérias Afins, Ed, Almedina, Coimbra, 2004, pª 569 e segs.
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SANDULLI, Aldo M., Manuale
di Diritto Amministrativo, Jovene Editore, Napoli, Vol. I, 1982, pª 540 e segs.
SOARES, Rogério Erhardt, Direito
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